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A Rising Records segue seu curso na esteira dos riffs, dos acordes dissonantes, dos slaps e blast beats, das fitas K7, dos LPs, dos CDS, DVDS, camisas e artefatos outros, com os pés fincados no chão

Por: Lázaro Fabrício

Certa feita, numa entrevista, Rob Halford, vocalista e fundador da seminal banda britânica Judas Priest, ao ser perguntado sobre o que era o heavy metal para ele, dissera: “Heavy metal é a totalidade da existência”.

Aqui, certamente Halford não buscou reduzir a vida ao heavy metal, mas, sim, estabelecer o heavy metal, a música, enquanto plataforma de significado, de inspiração e motivação vitais.

Não poderia ser diferente. A música se estabelece como elemento significante, substantivo, entrelaçando emoções, sentimentos e ação às diversas possibilidades de expressão e comunicação, por meio da arte.

Assim ocorreu igualmente com Luciano Elias, fundador e proprietário da Rising Records, a mais antiga loja especializada em “música pesada” em atividade na nossa cidade, Mossoró/RN, que se tornou, ao longo das duas últimas décadas, sobretudo, referência até mesmo nacional no cenário underground.

Essa história se inicia, de fato, no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando Luciano se deparara com bandas como Kiss, Iron Maiden e Black Sabbath. A descoberta do heavy metal seria um divisor de águas na vida de Elias, passando a pauta-la, em boa parte, a partir daí. Através da “música pesada”, foram tecidos vínculos de amizade, processos de sociabilidades e perspectivas de entretenimento. Isso porque a música, diante de sua potência, capaz é de estruturar vivências, sociabilidades culturais e lúdicas, ao longo das trajetórias.

Por meio da música, Luciano vai estreitando contatos, fazendo amigos nos mais diversos lugares do país, descobrindo bandas, imergindo no universo do metal e experienciando e vivendo diferentes histórias.

É aí que Luciano inicia também um processo que, anos mais tarde, culminaria com o lançamento de sua loja, a hoje Rising Records. Luciano passa a fazer parte de um mercado estabelecido entre entusiastas do heavy metal de todo o país de gravação, compra, venda e troca de materiais físicos. Naquele momento, inicialmente e principalmente fitas k7. Conta-nos Luciano que:

“Você adquiria o material com as pessoas, montava um pequeno catálogo, você ia vendendo e fazendo troca com outras bandas. Quando chegava aqui, você aumentava o seu catálogo e já atualizava mês a mês, geralmente mês a mês, porque era tudo por carta, então demorava um pouco. Quando chegava a leva de um novo pedido de novas fitas, com bandas novas que, muitas vezes, bandas que hoje são muito conhecidas, mas que à época estavam lançando suas demos, que só saia “lá fora”, na “gringa”, um material importado. Então, era material caro, como não tinha condições de comprar, então, tinha que ser nas fitas. E as revistas da época tinham uma sessão de cartas, que muita gente deixava o endereço lá, para venda e troca de fitas. Depois, passou a ser compra e venda de vinis, depois VHS, porque a gente também queria ver os caras tocando […]. Todo começa dessa base aí, compra, venda e troca de fitas k7, vinis e VHS, e todo isso em casa, na casa dos meus pais, no caso, fazendo toda essa “rede social””.

No mesmo período, Luciano passa a contribuir e fazer zines, de forma orgânica e artesanal, “caseira”. E segue militando no metal, ainda à época, atuando na produção de shows e eventos, ao lado da banda Mistery Play, primeira banda de metal da cidade de Mossoró. Foi responsável pelas edições do “Metal Mania”, por exemplo.

Em meados dos anos 1990, e já diante do processo de transição do vinil para o CD, Mossoró ganha sua primeira loja de material físico, que ficou aberta por pouco tempo, mas que nesse período já se tornara lugar cativo para os amantes da música pesada, e era onde chegavam as “novidades”, já em CD.

No fim dos anos 1990, a loja Vírus Records, especializada em rock e heavy metal, de onde Luciano era cliente e amigo do proprietário, encerra suas atividades na cidade. Luciano, então, inicia um movimento para abrir sua própria loja, enxergando a necessidade da cidade em continuar tendo uma loja especializada no seguimento rock e heavy metal, bem como vislumbrando a oportunidade de empreender e trabalhar de forma direta com aquilo que amava e o movia, a música, o heavy metal, a paixão por material físico.

O plano se concretizaria em 2001, tendo como sócio seu amigo Dewindson “Wolfheart”, da banda Ravenland. Nascia, assim, a “Beauty in Darkness”, com instalações físicas na Galeria Brasil, no centro da cidade. O sonho se tornara real. Luciano sabia e vivia, na prática, aquilo que Nietzsche já vaticinara: “sem música, a vida seria um erro”.

Após alguns anos, Dewindson, seu sócio e amigo, vai morar em outro estado, assumindo Luciano a loja integralmente. Em Março de 2003, a loja deixa de ser “Beauty in Darkness” e ganha o nome de “Rising Records”, inspiração e homenagem ao clássico LP homônimo do Rainbow, um dos preferidos de Elias.

Em 22 anos de atividades, empreendendo num ramo complexo e de mudanças tão céleres e significativas, muitos sãos os desafios que se colocam no dia-a-dia. Muitas vezes, inclusive, Luciano se viu diante da iminência do fechamento, o que sempre foi superado com muito trabalho e dedicação à loja e aos seus clientes e amigos de todo o país.

Houve e há necessidade perene de ir se transformando e se adequando aos “novos tempos”, à indústria, às novas formas de consumo musical, de relacionamento com artistas e bandas, às mudanças nas cenas musicais e undergrounds, às oscilações de mercado, às novas demandas da clientela, aos “novos” perfis da clientela. Luciano, hoje, atua não apenas com sua loja física, mas também se utilizando da internet e principalmente das redes sociais.

Paralelo à loja, atua como selo musical, já tendo lançado grandes nomes do heavy metal nacional e internacional, como Darkside, Sanctifier, Insanity, Nephastus, Age of Artemis, Desultory, Rotting Christ, Tiamat, Heavenless, dentre outras. Além de lojista, é colecionador, detentor de vasto material de bandas de heavy metal.

A Rising Records é referência em seu ramo de atuação, não restam dúvidas, mas é, igualmente, um dos pilares sustentadores e referência da cena rock/metal mossoroense. Seu legado, por meio do seu fundador e proprietário Luciano Elias, são incontestes. Lastreado e maturado pelas experiências do passado, mas sem perder de vista o contexto presente e o prisma de futuro, Luciano segue sua jornada tendo a arte como bússola e com a altivez e a resiliência que só aqueles que são convictos dos sonhos e do trabalho necessário para realiza-los são capazes de ter. Luciano sabe bem que, afinal, como já assinalara o escritor e poeta brasileiro Ferreira Gullar, “a arte existe porque a vida não basta”. A arte, a música ocupam lugar privilegiado e significativo na história da Rising.

A Rising Records segue seu curso na esteira dos riffs, dos acordes dissonantes, dos slaps e blast beats, das fitas K7, dos LPs, dos CDS, DVDS, camisas e artefatos outros, com os pés fincados no chão, e sem perder de vista o horizonte luminoso que só a música é capaz de pintar.