Lançamento

Álbum foi lançado em novembro e conta com produção de Diogo Valentino e Dinho Almeida

Por: Pérola Mathias, do Poro Aberto

Betina começou o ano de 2023 entrando numa super cilada, que eu mesma a coloquei. Em janeiro, reservei a ela o fechamento de uma das noites SIM-SP, num local recém-aberto na cidade e voltado à música. Claro que, como produtora daquele evento, tentei o meu melhor para que tudo desse certo, mas nos bastidores nada corria bem. E com cara e jeito de que a noite ia dar errado, deu mesmo. Os artistas ficaram sem cachê; a divulgação não foi o que deveria ser; e, mesmo com todas as dificuldades de última hora, o show não podia ser cancelado porque uma das bandas era estrangeira e já estava por aqui. O tempo de apresentação também diminuiu drasticamente. Mas o grand finale foi o momento em que cortaram o microfone de Betina logo depois que ela anunciou que tocaria a última música, com um atraso de 4 minutos na apresentação — ela era a 4a artista da noite a se apresentar e sabemos o quanto esse tempo de atraso é nada em um palco para 4 bandas.

Brigamos, recebemos desculpas, mas sei o quanto isso afetou a artista e sua banda. Também sei o que foi começar o ano com esse gosto amargo na boca. E, pior, sabendo também que questões de competência ou de corre estão aquém do papel da mão masculina do mercado (sorry, Adam Smith, ela não só não é invisível, como também tem gênero).

Os meses se passaram e, no dia 9 de novembro, Betina, agora Betina Astral, lançou um novo disco: Rasante. Na capa, ela aparece como uma diva futurista — na pose, no ângulo e no figurino -, envolta por um círculo de brilho, em foto de José de Hollanda e design feito por ela mesma.

Para começar a falar do álbum, preciso antes dizer que é muito difícil falar sobre o trabalho de um artista que é do meu círculo de amizades. Mas, como comecei o texto contando um episódio que Betina e eu vivemos juntas, que implicou em várias conversas depois etc., acho que faz muito sentido falar de seu disco novo — e, para falar a verdade, não vai ser a primeira vez, porque resenhei a faixa “Polaroids” quando foi lançada como single.

Dentre as 10 faixas que compõem Rasante, 4 são vinhetas. O disco é fiel ao estilo psicodélico já explorado por Betina em seus discos anteriores, com ambiências, texturas, timbres e batidas que remetem ao etéreo, ao desconhecido, ao espaço sidera etc. — todas essas coisas são elementos abordados nas letras. Os instrumentos parecem orbirtar ao redor do violão, que sustenta um eixo fundamental que liga as canções umas às outras — aliás, pra mim, isso é uma das coisas mais bonitas do disco.

“Ciclo Vicioso” é a minha favorita*. Uma balada de letra sensível e com um quê de melancolia. Nela, Betina divide o vocal (e a autoria) com o boogarim Dinho Almeida. Com certeza me vejo ouvindo essa música no repeat quando estiver sofrendo por alguma paixonite aguda passageira num futuro provável — quem não adota uma música pra chamar de sua nesses momentos, né?!

Como consta no próprio release do álbum, sua primeira parte é mais lenta e introspectiva, contrastando com um lado B que convida o ouvinte a se mexer. Segundo Betina, o disco diz muito sobre um processo de cura de uma crise depressiva experimentada por ela — e aqui cabe a reflexão de que o disco saiu mais de 3 anos desde que começou a pandemia, um período de incerteza e instabilidade para os artistas, de forma geral, mas principalmente para os artistas independentes. Só que a maioria das pessoas (as que conheço, pelo menos) não vivenciaram incertezas apenas relacionadas à vida profissional, mas em todos os âmbitos da vida. Incertezas para as quais o título “Futuro em stand by” cai como uma luva.

A primeira metade do disco se encerra com “Alecrim do Lacre”, em que Betina canta de maneira muito tranquila sobre um tipo de homem que temos pavor, o famoso esquerdo-macho, os santaceciliers ou zona oesters que cruzamos por aí: artista que quer atenção, esmalte na mão, camiseta “free the nipple” (hahaha), mas que não paga a pensão (ou abusa psicologicamente da companheira, pratica sozinho a não-monogamia, entra disfarçado no app de paquera etc. etc. etc.). Identificou? Pois é. O final é puro deboche, gostoso demais. A tranquilidade na voz de quem sabe que acertou.

Já “Coisas Astrais” é a volta por cima e “Zoin” um indie romântico para pistinhas intimistas, que combina com o verão que começa hoje — fica a dica, DJs! A vinheta “Do not disturb” é resultado de uma gravação no Teatro Oficina para o filme TERRACORO, de Daniel Kairós. Além de Betina, ouvimos também as vozes de Dinho Almeida, May Tuti e Negro Leo (que assina a música do filme).

Por fim, o disco termina com mais uma participação, na faixa “O coração batendo no corpo todo (Esperar o sol)”, de Luiza Lian. A música reflete sobre os estados emocionais e nossa relação com as telas, uma chamada ao presente-concreto.

Betina está em ótima forma vocal no álbum, explora bastante seus agudos e, junto aos produtores Diogo Valentino e Dinho Almeida, mergulha de cabeça numa sonoridade expandida, exploratória, entregando tudo. Ouçam Rasante.

* Como este não é uma resenha ou crítica, mas um relato pessoal, me reservei o direito de falar do disco de forma íntima, como não costumo fazer nos meus textos.