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Ainda que com números muito menores que os do streaming, vendas de discos seguem crescendo, conquistando também a geração Z com lançamentos exclusivos

Por: Silvio Essinger, O Globo

Imagem: Nova sede da Tropicália Discos, em Botafogo, montada em parceria com a Rocinante Discos — Foto: Divulgação

Segundo os números da Pró-Música (ex-Associação Brasileira dos Produtores de Discos), hoje, em tempos de streaming, o mercado dos discos físicos responde por apenas 0,6% do total das receitas no país com a música gravada. No entanto, dentro dessa participação minúscula, um exército de Brancaleone segue sua marcha em velocidade acelerada: o do vinil, que não só ultrapassou o outrora imbatível CD como o formato físico mais vendido no país, como em 2023 faturou R$ 11 milhões (um aumento de 136,2% em relação ao ano anterior). Para 2024, estima-se que a venda total de discos de plástico com capas de papelão chegue a R$ 15 milhões.

Apesar dos altos custos com as matérias-primas, licenciamento e distribuição (que, no mundo da música digital são ínfimos), o vinil desperta paixões em cinquentões saudosos, mas também de um público jovem, que descobriu na internet os clássicos (e as raridades) da música popular e hoje movimenta lojas físicas e virtuais, além de clubes de assinatura e feiras de vinil, garantindo que as três fábricas de LPs e compactos existentes no país (Polysom, Rocinante e Vinil Brasil) funcionem a todo vapor.

— O vinil deixou de ser aquela coisa de colecionadores e DJs, a geração Z adora ele — observa João Augusto, presidente da gravadora Deck, que 15 anos atrás resolveu investir numa fábrica de que estava fechando, a Polysom, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, e fez dela o maior produtor (e também selo e loja) de discos de vinil do Brasil. — Achando que era fácil, fomos lá recuperar a fábrica, mas foi um processo que durou dois anos e meio, com muita dificuldade para se ter qualidade. A gente esperava que as gravadoras grandes entrassem nessa com a gente. Elas não entraram, mas tiveram a generosidade de ceder os licenciamentos.

Vitorioso com a série de relançamentos Clássicos em Vinil (que pôs de volta no mercado 137 LPs históricos da MPB, como o “Tábua de Esmeralda”, de Jorge Ben — o best seller da coleção, com 16.500 cópias vendidas), a Polysom hoje atende a dois dos principais serviços de assinaturas do país (o Noize Record Club e o Club do Vinil da Universal Music), além da própria Deck e de gravadoras independentes. Há quatro meses, eles operam com uma nova prensa de LPs, que veio se somar a outras três, e a uma só de compactos. A produção hoje é de 20 mil a 25 mil discos por mês.

Há dois anos e meio, a hegemonia da Polysom começou a ser disputada pela Rocinante, gravadora de Sylvio Fraga e Pepê Monnerat, que, como solução para ter LPs de qualidade, abriu uma fábrica de vinil em Petrópolis. Hoje com quatro prensas (duas delas em instalação, “as mais modernas da América Latina, semiautomáticas”, segundo Pepê), a dupla tem uma capacidade de produção de 15 mil discos por mês, não só para a Rocinante (que editou elogiados LPs de Hermeto Pascoal e da dupla João Donato e Jards Macalé), mas para os mais diversos clientes.

— A gente conseguiu resolver o problema do mercado, às vezes você tinha filas de até dez meses para conseguir fazer um disco — conta Pepê, que é engenheiro de formação, e técnico de som de artistas como Jorge Ben Jor.

No fim do ano passado, a Rocinante deu a sua grande tacada, ao associar-se ao projeto Três Selos — reunião dos selos Assustado Discos, EAEO Records e Nada Nada Discos, que, entre clube de assinaturas e lançamentos avulsos, já pôs no mercado mais de 300 títulos desde 2019.

Nessa parceria, depois de LPs de BaianaSystem, Chico César, Gilberto Gil, Djavan, e até Pabllo Vittar e Liniker, estão programados para as próximas semanas relançamentos de “Durante do verão” (álbum do lendário grupo A Barca do Sol) e “Edu canta Zumbi” (Edu Lobo).

Também no fim de 2023, a Rocinante se associou à Tropicália Discos, uma das principais lojas de discos de vinil do Rio, e com eles montou um charmoso ponto de venda em Botafogo.

Um dos clientes da Rocinante é a Romaria Discos, selo que amanhã começa em seu site a pré-venda do LP “Letrux Entreatos: Músicas do Período Pandêmico”, coletânea com a produção avulsa da cantora e compositora Letrux durante os tempos da Covid-19. É um álbum que só existirá no vinil, bem dentro da filosofia deste selo que surgiu há cinco anos da parceria de Nicholas Lopes (da loja virtual de LPs Romaria) e Gabriel Bernini (da comunidade Amigues do Vinil).

— Essas músicas estavam meio soltas no Spotify. Eu e o Gabriel tínhamos lançado praticamente toda a discografia da Letrux em LP. Encontramos essas canções, entramos em contato com a Letícia e ela gostou da ideia — conta Nicholas, de 31 anos, que já lançou pela Romaria 27 títulos, entre eles a primeira edição em vinil de “Vô imbolá” (1999, de Zeca Baleiro), e que em agosto promete a reedição do disputado “Pra gente acordar” (2022, dos Gilsons).

Letrux exulta com esse álbum exclusivo em vinil:

— Tive uma pequena dúvida se as pessoas iam querer esse disco. Mas aí Gabriel e Nicholas falaram: “Letícia, para, é claro que as pessoas vão querer!”

A viabilidade de um negócio como o vinil, que beira o artesanal, porém, ainda é uma questão. Segundo João Augusto, hoje a Polysom fatura um quarto a um terço do que fatura a Deck, “mas a rentabilidade é muito baixa, por causa do custo dos insumos e tudo mais”. Monnerat também admite que o markup (diferença entre o custo de um bem ou serviço e seu preço de venda) da Rocinante “é bem pequenininho”:

— É mais para fazer um sonho andar mesmo, para pagar os custos. Não ter João Donato, não ter Tom Jobim numa loja de discos é meio que se entrar no numa livraria e não ter Camões, não ter Machado de Assis.

Outra questão é a de que pouco mais de 50% dos compradores de LPs simplesmente não têm toca-discos para ouvi-los. E alguns só têm as populares vitrolas portáteis Crosley.

— No máximo, o que ela pode tocar é compactos, ela não tem motor nem braço pra tocar um LP — alerta João. — A gente tinha muita dificuldade com o cliente, a gente não podia botar graves num disco porque aí ia pular na Crosley.

Monnerat concorda com João: tocar LPs num Crosley “é a mesma coisa que perguntar se dá para carregar entulho numa Kombi”.

— Vai ficar esquisito, vai ficar perigoso. Uma vitrola daquelas não aguenta o de peso de um long play — garante ele, que está em conversas com a Polyvox para a criação de um plano de assinaturas para a venda de um kit com toca-discos de qualidade e caixas com amplificação por menos de R$ 2 mil. — É kit do audiófilo iniciante, aquele que quer conseguir pelo menos escutar um disco que tá girando certo, que não está patinando.