Discão

Ambos uniram forças em oito composições extraordinariamente originais e atemporais, em um registro que conta com produção e direção artística de Roberto Quartin e Wadi Gebara

Por: Renan Simões

O álbum Os Afro Sambas (1966) traz o diálogo mais divino entre a música popular e a religiosidade afro-brasileira. Baden Powell e Vinicius de Moraes uniram forças em oito composições extraordinariamente originais e atemporais, em um registro que conta com produção e direção artística de Roberto Quartin e Wadi Gebara, arranjos e regência de César Guerra-Peixe, vozes do Quarteto e Cy e Dulce Nunes, e ótimos instrumentistas, com destaque para o naipe de percussionistas. Curiosamente, o álbum foi gravado em apenas quatro dias.

O coro de Canto de Ossanha é desafinado para nossos ouvidos, acostumado que estamos com a música comercial (da grande mídia e mesmo de mídias alternativas), com tudo bem calculado para um resultado tecnicamente correto. Neste registro, os artistas optaram, intencionalmente, por incluir músicos amadores no coro, a fim de obter uma maior organicidade no resultado sonoro final.

Para quem frequenta umbanda e candomblé, ou ouve gravações dessas linhas religiosas, sabe muito bem que as desafinações muitas vezes até aumentam a mágica do momento. Logicamente, há um limite para a desafinação, que é ultrapassado na descuidada Tempo de amor, com sua levada baterística desnecessária, genérica e datada. Outro arranjo igualmente desinteressante é o de Canto do Caboclo Pedra Preta, a única composição efetivamente dispensável do registro.

No imponente Canto de Xangô, entretanto, encontramo-nos situados em pleno barracão de candomblé, com sua sedutora seção rítmica e melodias enfeitiçadoras. A alegre Bocoché, com deliciosa harmonia de Baden, é enriquecida por linhas de saxofones e flauta. Canto de Iemanjá é um acontecimento indescritível, um dos temas mais transcendentais da História da Música, e apresenta a cantora Dulce Nunes em seu auge. Tristeza e solidão extravasa um frescor indecifrável e tentador, e consiste em outro grande feito dos artistas; a esta se segue a saída introspectiva de Lamento de Exu.

Baden Powell e Vinicius de Moraes, Os Afro Sambas, o poder da religiosidade afro-brasileira em forma de canção! Ouça, desfrute, reflita, repasse:

 

Texto revisado por Sabrina Souza