Crítica

Com lançamento agendado para 17 de janeiro, em LP e edição digital, o disco ‘Mascarada’ procura quebrar padrões do samba e do jazz em clima de estranheza

Por: Mauro Ferreira, do G1

Foto principal: Aline Müller / Divulgação

Título: Mascarada – Zé Kéti por Sergio Krakowski Trio & Jards Macalé

Artistas: Jards Macalé e Sergio Krakowski Trio

Edição: Rocinante

Cotação: ★ ★ ★ 1/2

“Acender as velas / Já é profissão / Quando não tem samba / Tem desilusão”. Os versos do samba Acender as velas (1964) são ouvidos na voz rústica de Jards Macalé, sem qualquer acompanhamento, na abertura do álbum Mascarada, disco programado para ser lançado na próxima quarta-feira, 17 de janeiro, em edição digital e em LP fabricado pela gravadora Rocinante.

Somente depois dessa introdução a capella é que a percussão de Sergio Krakowski é desferida como golpes, em sintonia com a desilusão desse samba que exemplifica o caráter militante da obra de José Santos Flores (16 de setembro de 1921 – 14 de novembro de 1999), o Zé Kétti – ou Zé Kéti, como é mais comumente grafado o nome do compositor, cantor e ritmista carioca (inclusive na capa do disco). Escorado em cama instrumental que potencializa o desencanto impresso em Acender as velas, Macalé redesenha a cadência desse samba com divisões inusitadas em gravação de ambiência noise.

Jards Macalé (à direita) com o trio do percussionista Sergio Krakowski (à esquerda) na gravação do disco 'Mascarada' em estúdio de Nova York (EUA) — Foto: Aline Müller / Divulgação
Jards Macalé (à direita) com o trio do percussionista Sergio Krakowski (à esquerda) na gravação do disco ‘Mascarada’ em estúdio de Nova York (EUA) — Foto: Aline Müller / Divulgação

Jards Macalé (à direita) com o trio do percussionista Sergio Krakowski (à esquerda) na gravação do disco ‘Mascarada’ em estúdio de Nova York (EUA) — Foto: Aline Müller / Divulgação

Embebido em estranhezas, como sinaliza a pintura de Iberê Camargo (1914 –1994) reproduzida na capa, Mascarada é disco de jazz e deve ser entendido como tal. Basta dizer que a música-título Mascarada (1966) é reapresentada como tema instrumental de 11 minutos em que se ouve somente (breves) fragmentos da sublime melodia composta em 1964 pelo bamba Elton Medeiros (1930 – 2019) para a parceria com Zé Kétti.

O álbum Mascarada faz mais sentido quando Macalé é o solista propriamente dito, como em Opinião (1964). Uma tensão perpassa a gravação desse samba em que Zé Kétti, altiva voz do morro, reafirmou a obra como polo de resistência contra toda forma de opressão social. Na faixa de tom noise, que culmina em jazz ruidoso, o canto de Macalé soa como um grito parado no ar, desconstruindo a cadência tradicional do samba.

Já O meu pecado (Zé Kétti e Nelson Cavaquinho, 1965) ressurge em gravação mais climática, com instrumental de tons outonais, em sintonia com a letra melancólica em que o eu-lírico do samba amarga ressaca provocada pelo inventário da boêmia vida amorosa da juventude.

Pontuada pelo toque do piano de Vitor Gonçalves, Prece de esperança (Zé Kétti, 1967) restaura a atmosfera tensa recorrente no disco em gravação que embute citações de Walter Franco (1945 – 2019). Na faixa de seis minutos e meio, o canto de Macalé soa falado, em feitio de oração turbinada pelas dissonâncias do Sergio Krakowski Trio.

Contudo, no conjunto da obra, o bom álbum em que Jards Macalé canta Zé Kétti com o toque do Sergio Krakowski Trio se alimenta da estranheza e da liberdade dada pelo jazz para demolir padrões e tradições do samba e do próprio jazz, sem pisar no terreno já batido do samba-jazz.