Crítica

A banda, surgida em 2010, com integrantes que já circulavam há muito na música, é um nome consolidado na anti-cena musical do ABC paulista e da capital

Por: Pérola Mathias, do Poro Aberto

Imagem: Giallos em foto de Régis Bezerra

Quer ouvir um disco foda? Dá o play no recém-lançado (no dia 20 de novembro, dia da consciência negra) ATRAVESSOU O EBÓ, do ex-power trio-agora-quarteto Giallos. A banda, surgida em 2010, com integrantes que já circulavam há muito na música, é um nome consolidado na anti-cena musical do ABC paulista e da capital. Por que anti-cena? Porque, definitivamente, não é na música alternativa mais superficial que a banda figura: não com a extensa capacidade sonora que seus membros têm de chutar fronteiras musicais e encampar a poesia dedo na cara e personalíssima de Claudio Cox — incluindo aqui suas maracas e theremin.

capa: Flávio Lazzarin foto: Maristela Raineri

ATRAVESSOU O EBÓ, assim como os demais discos da banda, é um álbum com um conceito definido que interliga as faixas e dão coesão ao projeto. Como indicado no título, são as entidades da umbanda e orixás do candomblé os guias. Iemanjá, Sete Flechas, Maria Mulambo. Mas antes que alguém possa ousar imaginar que eles sejam os famigerados “cheiradores de axé”, escute o disco. Seu “Tranca Rua” bem sabe:

De tempos em tempos
Uma falha na matrix
Roubaram a Umbanda dos pretos
E isso era só o começo

Os ritmos variam entre as faixas, ora mais pesadas, ora mais fritas. O trombone de Mabu Reis vai do inesperado ao melódico. O diálogo entre a guitarra de Luiz Galvão com a bateria de Flavio Lazzarin também escala da batida repetida às notas e distorções infinitas. Um dos convidados do álbum é o próprio produtor do disco, Marcos Maurício (Nômade Orquestra, Guruma), que entra com o teclado na psicodélica e fundamentalmente instrumental “Sete Flechas”.

Outra presença importante é a da cantora Carol Cavesso, que vem se apresentando regularmente com o Otis Trio — projeto de jazz integrado por Galvão, Lazzarin e o baixista João Ciriaco. Ela empresta sua voz às duas primeiras faixas, “Um Encouraçado Não Aguenta Iemanjá” e “Matem Todos”.

Esta última, que vem com o aviso de “Explícito” ao lado de seu título, é uma muito clara posição política-econômica-ideológica, que diz

Matem todos!
Todos os dias da semana
Domingos e feriados
Parado na porta de um bar com o sorriso forçado
Fingindo estar tudo bem
O descanso custa caro
Deuses e demônios custam caro, baby

Uma das marcas do Giallos é que seu vocalista, Claudio Cox, se apropria da arte do spoken word, ou declamação — técnica e forma de expressão falada das letras, que se difere do canto. Além de suas letras sempre abordarem questões históricas e sociais de forma crítica — afinal, é uma banda punk. E por mais que seja difícil definir o som da banda, é assim que a considero. Outra marca é a referência ao cinema, de onde vem a inspiração para o nome Giallos.

Denzel Washington da favela
Chegou no baile, atravessou o Ebó
Jurou que nunca mais abaixaria a cabeça
Custou caro
Roupa de grife suja de barro

Estes são versos da faixa-título do disco, que ganhou uma camada sonora a mais com a percussão de Mariano Sarine (Deaf Kids). E uma curiosidade a respeito do álbum é que os baixos gravados foram tocados por Luiz Galvão e pelo produtor Marcos Maurício.

ATRAVESSOU O EBÓ é composto por 13 faixas e foi gravado entre dezembro de 2022 e agosto de 2023. Vale cada onda.