Morreu neste fim de semana, aos 83 anos, o baterista, pianista e compositor norte-americano Jack DeJohnette, em Chicago (EUA). Com uma carreira que atravessou mais de seis décadas, DeJohnette foi presença essencial em praticamente todas as fases do jazz contemporâneo, moldando o som do gênero com sua abordagem singular e profundamente criativa.
Nascido em 1942, em Chicago, DeJohnette começou a tocar piano ainda jovem, antes de se dedicar à bateria — instrumento com o qual deixaria uma marca indelével na história da música. Sua versatilidade e espírito exploratório o levaram a colaborar com alguns dos nomes mais icônicos do jazz, de Miles Davis e Herbie Hancock a Keith Jarrett, John Abercrombie e Dave Holland.
DeJohnette foi parte de momentos decisivos do jazz moderno. Em 1969, participou do lendário Bitches Brew, de Miles Davis, obra que redefiniu o gênero ao incorporar elementos do rock e da música eletrônica. Pouco depois, tornaria-se um dos pilares do célebre Standards Trio, ao lado de Keith Jarrett e Gary Peacock, com o qual gravou dezenas de álbuns e percorreu o mundo por mais de 30 anos.
Sua relação com a gravadora ECM Records, do produtor Manfred Eicher, foi uma das mais prolíficas da história do selo. Desde Ruta and Daitya (1971), o primeiro duo com Jarrett, DeJohnette participou de gravações fundamentais, como os discos do trio Gateway, seus projetos Directions e Special Edition, e colaborações com nomes da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians).
Um baterista além da técnica
Mais do que um baterista virtuoso, Jack DeJohnette foi um pensador sonoro. Sua maneira de tocar transcendia o ritmo tradicional, atuando como um “colorista e comentador epigramático”, nas palavras de um crítico. Sua bateria era parte da estrutura interna da música — fluida, expressiva, por vezes meditativa.
Em entrevistas, o músico descrevia sua abordagem como “abstrata”, guiada pela intuição:
“Quando toco, entro num estado alterado, num espaço mental diferente. Conecto-me ao meu eu superior, à biblioteca cósmica de ideias.”
Mesmo após sofrer de tendinite, adaptou seu estilo e transformou a limitação em estética. Sua bateria, segundo a revista Modern Drummer, estava “além da técnica”.
Oito discos essenciais
A amplitude de sua obra torna difícil destacar apenas um momento. Ainda assim, há gravações que resumem a genialidade de DeJohnette:
Infinite Search (1970) – fusão explosiva de jazz e improvisação livre, ao lado de Miroslav Vitous e John McLaughlin.
Ruta and Daitya (1972) – dueto experimental com Keith Jarrett, entre pianos e flautas de bambu.
Gateway (1975) – trio com Dave Holland e John Abercrombie, misturando introspecção e energia elétrica.
Timeless (1975) – uma aula de equilíbrio entre virtuosismo e contemplação.
Jack DeJohnette’s Special Edition (1980) – grupo que redefine o papel da bateria no jazz moderno.
The Amazing Adventures of Simon Simon (1981) – dueto hipnótico com John Surman.
Tokyo ’96 (1998) – o Standards Trio em sua forma mais pura, com solos memoráveis.
Hudson (2017) – parceria com John Scofield, Larry Grenadier e John Medeski, em um tributo à liberdade criativa.
Jack DeJohnette foi, em essência, um arquiteto sonoro. Misturou jazz, world music, free improvisation e R&B com a naturalidade de quem via a música como linguagem universal. Seu toque era ao mesmo tempo terreno e espiritual, técnico e intuitivo.
Mais do que um instrumentista, foi um mediador entre mundos musicais — um artista que fez da bateria um instrumento de expressão total.
Com sua partida, o jazz perde um de seus grandes alquimistas. Mas sua música, feita de ritmo e transcendência, continuará a ecoar — como ele próprio dizia, “na biblioteca cósmica de ideias”.
