Imagem: Dinho, vocalista da banda goiana Boogarins, durante performance no festival Mada neste final de semana (Foto: @luanatayze)
Com mais de uma década de trajetória e uma discografia marcada pela ousadia e pela experimentação, o Boogarins que fez sua apresentação no festival Mada consolidou-se como uma das bandas mais inventivas do rock brasileiro contemporâneo. Surgida em Goiânia, a banda encontrou nas sonoridades da cena alternativa dos anos 2000 um terreno fértil para criar uma linguagem própria — psicodélica, livre e sempre em transformação.
Em entrevista ao BOLSA DE DISCOS, o vocalista e compositor Dinho Almeida reflete sobre o processo de formação da identidade sonora do grupo, que desde o disco de estreia As Plantas que Curam (2013) vem desbravando caminhos entre o lo-fi e a experimentação analógica, sem perder a conexão com o público. Ele relembra as influências da cena goiana, fala sobre o novo álbum Bacuri — marcado por uma sonoridade mais madura e despretensiosa — e comenta o impacto de bandas potiguares como Far From Alaska, Camarones Orquestra Guitarrística e Mahmed na sua trajetória.
Entre memórias, influências e perspectivas, Dinho revela que o segredo da longevidade do Boogarins está em fazer música com verdade, mantendo o foco na criação e na conexão com as pessoas, mais do que em números ou tendências.
Renan Simões (Bolsa de Discos) – O Boogarins é uma banda de rock com mais de 10 anos de carreira discográfica, com esse som com muita identidade, unidade e variedade. Como se deu a construção da identidade sonora de vocês?
Dinho Almeida (Boogarins) – Eu acho que a gente tem muito daquela coisa da cena de música alternativa independente no Brasil, que circulava por Goiânia nos anos 2000. A gente viveu isso muito intensamente. A gente tem a sorte de ter o Ynaiã hoje em dia na bateria, que fazia parte do Macaco Bong. O Ynaiã era um cara que a gente via tocando muito em Goiânia, a gente tava lá como fã do Macaco Bong. Então a gente acompanhava muito os shows, os festivais. Goiânia teve essa coisa de ser meio que essa capital fora do eixo dos festivais, com o Bananada, o Goiânia Noise. Eu mudei pra Goiânia em 2006. Dali pra frente eu vi o Marcelo Camelo solo, o Los Hermanos, o Matanza, ao mesmo tempo que você tá vendo também os meninos do Plástico Lunar, do Baggios.
A Monstro [Discos] lançava todo mundo. Então eu vi o Frank Jorge, Júpiter Maçã. Era um cruza de influências de toda essa geração de música nova brasileira na nossa, e meio que mostrando um caminho, de que era possível fazer música nova e ter palco. Acho que essa juventude que cresceu nessa Goiânia ali dos anos 2000 tinha essa coisa de poder imaginar estar num palco, que sua banda tinha onde chegar. Isso foi muito importante pra gente, nessa coisa de formação sonora e de também entender que a parada podia te levar pra algum lugar. Eu acho que o Benke [Ferraz] trouxe muito isso.
Eu já tinha uma banda e a gente começou a tocar junto e ele, tinha a MTV na casa dele, e ele falava das bandas, eu falava: “cara, os caras tão fazendo, tem como a gente fazer!”. Então eu acho que é muito essa cena toda, eu não consigo nem ficar citando nomes, porque eu acho que é muito mais sobre ver aquelas bandas fazendo, as bandas de Goiânia mesmo, [MQN, Black Dragons Childs] e falar “pô, dá pra fazer esse trem”. A gente é uma banda que se respeita muito e troca muito entre si, então todo mundo traz o gosto e bota nas músicas e nas composições.

Então eu acho que a gente é esse furacãozinho que se entende, se encaixa. E esse disco que a gente lançou agora, o Bacuri, é uma marca muito grande nesse desenvolvimento da nossa linguagem. A gente conseguiu chegar num lugar onde você vai ouvir o negócio e vai saber que é Boogarins, tem um jeito Boogarins de fazer a coisa ali, que eu acho que essa é a psicodelia nossa. É misturar, é ir pra outro lugar, é fazer o ouvinte sentir a canção independente do ritmo ou de tudo. Eu acho que esse é o nosso maior exercício, a nossa maior conquista e algo que a gente ainda tem muito pra desenvolver.
Renan Simões (Bolsa de Discos) – Em relação a essa transformação, como eu disse, tem muita unidade no som de vocês, ao longo da discografia, mas a gente tem momentos muito específicos. O primeiro álbum é mais lo-fi, caseiro. Depois vocês já vão pra uma onda mais introspectiva, tem um disco pessimista lá no meio, e agora voltando, em uma fase de maturidade, no lo-fi. Você poderia pontuar os quais foram as forças motoras que marcaram a criação de cada álbum?
Dinho Almeida (Boogarins) – As plantas que curam [2013] somos nós dois [Dinho e Benke Ferraz] saindo do ensino médio, se encontrando pra aprender a gravar, pra desenvolver uma linguagem, desenvolver uma sonoridade, aprender a fazer aquilo que a gente fez. O Manual [ou guia livre de dissolução dos sonhos, de 2015] já vem nessa consequência maluca de ter pegado o disco, mandado pros gringos, os gringos gostarem, lançarem a gente fora e, de repente, num dia você tá gravando num quarto sem microfone, usando uma caneta de baqueta, e no outro dia você tá num estúdio tudo analógico, numa praia na Espanha.
E depois os outros dois discos, o Lá vem [a morte, de 2017] e o Sombrou [dúvida, de 2019], eles vêm no momento nosso de mudar pra Austin. Foi um ano [2016] que a gente passou, sei lá, seis meses fora do Brasil e seis meses dentro, e tocando em tudo quanto é lugar, e foi um ritmo muito maluco. São discos que eu não chego a considerar pessimistas, mas eu acho que eles têm uma coisa de… uma saudade sem explicação, uma angústia no peito de não tá entendendo o que tá fazendo e vivendo, mas nós tava vivendo, e eu vejo com muito prazer. Foram discos maravilhosos e também muito importante essa coisa da descoberta da nossa sonoridade. Esses discos são muito da produção do Benke, da cabeça dele. São discos irmãos, gravados quase simultaneamente. A gente fez muita coisa nessa época. O empresário americano falou “grava, faz música, não se importa”, e nós fizemos um milhão de músicas e um milhão de gravações [que resultaram, além desses dois álbuns, em duas outras coletâneas lançadas posteriormente].
Eu acho que o Bacuri é meio que esse outro passo, é o pós-pandemia, realmente a gente vindo embalado de fazer muito show do Clube da Esquina, vindo nessa coisa de ver essa força do palco, querendo trazer isso pra um disco, e conseguindo fazer isso em casa de novo, mais tranquilo, num jeito mais de boa, com o neném no colo e o caralho, entendeu? Muito em outra cabeça, numa cabeça muito mais “eu só quero fazer música que eu gosto e desenvolver”, sem pressão de gravadora gringa, sem nóia. E tem sido maravilhoso. Acho que a gente é uma banda que traz muito isso pras gerações mais novas, tipo, eu não sei se é sobre hype, eu não sei se é sobre dinheiro, mas eu sei que é sobre fazer o que a gente gosta e ter público. E aí vai trazer todas essas outras coisas, hype, dinheiro e sobreviver disso.
Então eu fico muito feliz de, sei lá, eu crio meu filho com a minha música, o Benke tá sendo pai, o Ynaiã vai ser papai também, a gente vai desenvolvendo. E é muito legal encontrar moçada mais nova e trocar ideias sobre um caminho possível, meio que sem pressão de likes, sem pressão de números e mais com a pressão de criar uma conexão verdadeira com as pessoas mesmo. Acho que esse é o maior desafio. Eu agradeço muito de ter conseguido fazer isso na caminhada e que isso se estenda por muitos anos.
Renan Simões (Bolsa de Discos) – Você poderia citar artistas potiguares que admira?
Dinho Almeida (Boogarins) – Cara, o Far From Alaska é uma doideira, né? Não tem como
não falar deles porque era um bagulho que em Goiânia a gente recebia muito. Eu lembro de ver um show do Camarones [Orquestra Guitarrística] e também ficar muito emocionado. E o Mahmed foi uma parada que quando veio era muito surreal. Eu fico muito triste que a banda acabou. Eles não tocam mais, né? Mas é uma parada que eu acho que eles são muito fodas. É, tipo assim… Não, é muito lindo, eles desenvolveram uma linguagem muito foda. Às vezes no aleatório os caras me jogam as deles e eu falo “puta que pariu, esses meninos, né?” Eles são surreais, eles são fodas. E a Gracinha daqui, né? A [Mai Nova] é boa também. Posso pensar em várias. Eu acho que a sorte nossa é isso. Nós conseguimos conversar com a moçada mais nova. Isso que me dá força pra acreditar que os trens giram. E na verdade não giram, é uma espiral. Tem movimento na coisa. Ela roda, mas ela roda pra frente. E isso é bom demais.
