Entrevista

Eles estiveram em Fortaleza (CE) no dia 4 e conversaram com o BOLSA DE DISCOS. Vitor Vespa (a metralhadora por trás da bateria da Papangu) e o versátil Rodolfo Salgueiro (piano, órgão, sintetizadores, triângulo, voz e backing) detalharam o experimentalismo nos álbuns, a importância do lançamento em mídia física (os discos estão disponíveis em LP, K7 e CD),  a turnê da banda e as expectativas em torno do show no festival Lollapalooza em 2026

Por: William Robson, editor

A banda Papangu pode ser, facilmente, considerada uma das mais belas surpresas do rock brasileiro dos últimos anos. Quando alguém falar que não se faz mais música boa como antigamente, apresente os caras de João Pessoa (PB), que chegaram chutando a porta com dois discos  respeitados pela crítica do país. Um terceiro álbum já está engatilhado, composto e prestes a ser gravado.

Eles estiveram em Fortaleza (CE) no dia 4 e conversaram com o BOLSA DE DISCOS. Vitor Vespa (a metralhadora por trás da bateria da Papangu) e o versátil Rodolfo Salgueiro (piano, órgão, sintetizadores, triângulo, voz e backing) detalharam o experimentalismo nos álbuns, a importância do lançamento em mídia física (estão disponívesl em LP, K7 e CD),  a turnê da banda e as expectativas em torno do show no festival Lollapalooza em 2026.

O show em Fortaleza trouxe uma espécie de spoiler do terceiro disco, embora fortemente ambientado em torno do “Lampião Rei” (2024), que sucede ao necessário “Holoceno” (2021), também destacado, um amálgama de estilos, ritmos e surpreendentes quebradas harmônicas e de andamento para retratar a cronologia da vida e da saga do rei do cangaço. Por isso, o disco, com forte influência do rock progressivo, mesmo difícil de pô-lo em uma caixinha apenas, é uma obra completa. Imprescindível se faz ouvir o álbum do começo ao fim.

Os caras são virtuosos. Está confirmado no disco e no palco. O BDD sentiu a pressão da musicalidade, do entrosamento e da fluência de aplicações técnicas. Há momentos pesados que puxam para o hardcore, momentos sombrios, como no groove inicial da guitarra em “Boitatá”, a voz gutural de Hector Ruslan que traz tensão, as  viradas combinadas com os pivots e pedais duplos de Vitor, a linha desconcertante do baixo de Marco Mayer em “Oferenda no Alguidar”, combinada com a guitarra de Rai Accioly, e a manipulação dinâmica no sopro, nas cordas e na percussão de Pedro Francisco.

Ademais, as influências diversas são ingredientes que se acrescentam à mistura. Não deu outra. Som do mais alto nível, reconhecido na Europa e nos locais por onde a banda passou (inclusive, Mossoró, no dia 3). Na Europa, os discos da Papangu foram lançados primeiro. Ganhou edições nacionais no ano passado.

E para falar sobre os discos, shows e projetos, Rodolfo e Vitor abriram o jogo ao BDD pouco antes da tocada histórica no Ceará.

 

 

BOLSA DE DISCOS – Vamos começar falando da receptividade do “Lampião Rei”, o segundo disco. É um álbum que traz uma carga experimental muito forte, assim como o “Holoceno”, embora com outra pegada, né?

RODOLFO SALGUEIRO – Eu acho que desde o começo buscamos o experimentalismo. No “Lampião Rei”, a partir da entrada de novos membros na banda, que sou eu, Vitor e Pedro, aí a experimentação é levada a outros caminhos também, outros gêneros. Isso é uma coisa legal na Papangu. Há sempre espaço para experimentação.

 

BDD – Nota-se uma versatilidade muito relevante no álbum. Isso foi construído a partir de quais influências?

VITOR VESPA – Cada membro da banda tem uma influência diferente. Cada um de nós. Eu tenho muita influência no death metal, no thrash. Rodolfo gosta da power metal, do progressivo…  O Pedro vai pela linha do Hermeto Pascoal. Já o Hector se liga no stoner rock. A gente fez essa mesclagem e colocou tudo aí.  Colocamos tudo no liquidificador e, assim, nasceu o “Lampião Rei”.

 

BDD – Como surgiu esta oportunidade de tocar no Lollapalooza? O que vocês estão preparando para o festival?

RODOLFO – Assim, a Papangu tem conquistado um espaço entre influenciadores da música, críticos de música, o que para gente é uma grande satisfação.

 

BDD – O Gastão [Moreira}, por exemplo…

RODOLFO – Exato. Essa galera tem falado do nosso disco e isso tem alcançado curadores, diretores, programadores de festivais. Temos recebido muitos convites. O convite do Lollapalooza foi um desses. Chegou diretamente para gente no Instagram. Ficamos muito surpresos, porque a gente toca em locais, muitas vezes, underground, alternativo, palcos muito diversos desses grandes palcos.  Então, receber o convite pro Lollapalooza mostra que essa música alternativa, muitas vezes estranha,  que corre nas bordas, tem espaço em grandes festivais também e o público quer ver essas coisas diferentes. Tem sido muito massa receber esses convites pra grandes festivais. (2:11) Rolou também o festival Knotfest , aí veio o Lollapalooza… A gente, fora do país também, conseguiu fazer uns palcos interessantes nessa primeira turnê internacional.

 

BOLSA DE DISCOS –  Esse lance eu queria perguntar também. Como foi a experiência internacional?

VITOR VESPA – Foi muito foda essa turnê. A gente tocou em vários países. Portugal, Bélgica, Noruega. Foram vários países. O interessante é que o povo da Europa foi um dos primeiros a consumir o nosso material. O nosso primeiro disco, o “Holoceno”, foi produzido por um batera norueguês [Torstein Lofthus].  Por isso, a primeira galera a começar a escutar, a consumir, a querer nos convidar, foi a da Europa. A receptividade foi muito boa.

RODOLFO – Tinha um cara na Holanda, uma figura, um holandês, não falava uma palavra em português e sabia cantar “Sol Raiar”, do “Lampião Rei”,  um forró, a música mais diferentona do disco, ele sabia cantar essa música inteira. Foi realmente uma grande surpresa pra gente.

VITOR –  Foi muito gratificante a gente chegar fora do nosso país, ver a galera cantando nossas músicas…

RODOLFO –  …E os brasileiros também lá, que colavam, né? A galera vinha com muito orgulho, assim, aparecer. Cada show que a gente tocou, tinha um brasileiro muito orgulhoso, muito feliz.

 

Vitor e Rodolfo, após a entrevista ao BDD em Fortaleza (Foto: Andreas Felipe)

BDD – E sobre estas edições físicas que vocês estão lançando dos discos, que ganharam versão nacional, após lançamento no mercado europeu, como tem sido a aceitação?

RODOLFO – Tem uma expressão em inglês que é “cash is king”, dinheiro é rei. O dinheiro é rei e o dinheiro,  neste caso é o físico, a cédula. Faço uma comparação… “Physical media is king”, ela é a verdadeira materialização daquela música. E o áudio é uma coisa analógica, por natureza. Digitalizar o áudio é ilógico se você parar pra pensar, né?  A gente tá buscando um atalho, mas a transformação…  Eu vejo como um atalho. A gente também não romantiza demais o vinil, o CD ou o cassete,  mas entende que quando você compra aquele material físico, ele é seu. Um stream, uma plataforma onde aquela música consta lá digitalizada, se o executivo, um dia, pegar o botão e fazer “click” (desligar tudo), você não tem nada, não é seu.

 

BDD – É como se tivesse alugando?

RODOLFO – Isso. Você está pagando uma licença, está alugando aquela música. Quando compra esse vinil, esse vinil é seu, ele vai durar 60, 80 anos.  Quando a gente escutou aquela história de “ah, deixa na nuvem, a nuvem guarda, a nuvem guarda”, todo mundo já perdeu backup na nuvem, todo mundo já perdeu coisa na nuvem.

 

BDD – Parece efêmero mesmo…

RODOLFO – A galera que tinha o vinil dos anos 60, 70, 80, tá com tudo ainda.

 

BDD – Sem falar que comprar o disco é uma expressão de respeito, de admiração, né?

RODOLFO – Para que a banda possa continuar. A gente consegue trabalhar um material que não é só o som, ele é, claro, audiovisual, (porque a gente trabalha uma arte com um artista que a gente acredita, que consegue transmitir a influência dele na nossa música. É o caso, por exemplo, do “Lampião Rei” e do “Holoceno”, que são capas onde o artista entendeu aquela música e  transmitiu. Então, a gente movimenta uma economia criativa que vai além dos músicos, além do estúdio de gravação. Isso inclui um fotógrafo massa, um artista visual massa que vai fazer a capa, e a gente consegue entregar uma experiência que vai do início ao fim.  Você vai escutar o disco, não é só uma única música.

 

O cartaz da turnê europeia da banda (Divulgação)

BDD – No caso de “Lampião Rei”, dá para perceber que é uma obra completa para ser apreciada quando se fala no vinil.

RODOLFO – É clichê falar isso do vinil, mas a obra é completa. Ela é um retrato daquele nosso momento. Eu acho que o digital, ele está muito sujeito às transformações constantes do que essa mídia física, que é um retrato muito mais fiel daquele momento em estúdio e daquele momento na banda.

 

BDD – Vamos falar agora da essência do show de vocês, do setlist, vocês misturam os dois discos e trazem versões?

RODOLFO – Nenhum show do Papangu é igual. A gente sempre improvisa, faz algo diferente,  coloca elementos a mais nas músicas. Mas em específico para o show em Fortaleza e em Mossoró, por estarmos em quarteto, tivemos que adaptar algumas coisas para inserir nos shows.

 

BDD – Mas vocês recorrem a sample nesses momentos?

VITOR – Não, não. É tudo natural. A gente tem muito improviso.  As músicas têm muito improviso.

RODOLFO –  A gente nunca tem um repertório impresso, definido. Temos uma noção para onde a gente vai no show e vamos combinando cada música, cada faixa.

 

BDD – O perfil do público influencia?

RODOLFO – Sem dúvida, sem dúvida, sem dúvida. Dependendo do público, a gente vai fazer um repertório um pouco mais extremo ou menos extremo. Pode ser jazz fusion, improviso, rock anos 70.

VITOR – No Knotfest , a gente fez um repertório bastante porrada. Para outras casas, a gente faz um repertório mesclado. Tem parte em que o show dá uma baixada, noutra parte é lapada.

 

BDD –  E vocês têm uma diversidade de som por conta disso, né? Os dois discos mostram essa mistura.

RODOLFO –  É um som que agrada a todo mundo. Não dá para tocar tudo, porque, felizmente, o repertório é vasto.  A gente inclui uma variedade de músicas legais no show e, além disso, tem as partes de improviso que costumam ser longas. E a gente está tocando o material novo também, e algumas coisas que ainda não estão registradas.

 

BDD – Mas, versões não.

RODOLFO –  A gente não faz covers, a gente não faz versões.  Porque se a gente tiver o tempo de fazer uma versão,  significa que poderia tocar mais uma música nossa. Então botamos ela.  O único cover que você pode escutar, ver,  durante o show é “Vou trepar no pé de coco. Eu quero me trepar no pé de coco” (risos)

 

A turnê europeia do Papangu:
15/08/2025 – Bristol, Inglaterra – ArcTanGent Festival
17/08/2025 – Glasgow, Escócia – The Hug and Pint
19/08/2025 – Nottingham, Inglaterra – Billy’s
20/08/2025 – London, Inglaterra – Moor Beer Vaults
22/08/2025 – Tilburg, Holanda – Little Devil
23/08/2025 – Haarlem, Holanda – Complexity Fest
24/08/2025 – Berlim, Alemanha – Neue Zukunft
26/08/2025 – Copenhague, Dinamarca – Råhuset
27/08/2025 – Oslo, Noruega – Vaterland
28/08/2025 – Bergen, Noruega – Hulen
29/08/2025 – Trondheim, Noruega – Lokal
 
Papangu é:
Vitor Alves (bateria, percussão)
Pedro Francisco (flauta, guitarra, percussão, voz)
Marco Mayer (baixo, voz)
Hector Ruslan (guitarra, voz)
Rodolfo Salgueiro (teclados, percussão, voz)
Rai Accioly (guitarra, vocais e backing)