A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a respeito. O primeiro artista da série é João Pimenta, músico capixaba que foi colega de trabalho do meu pai e de quem conheço dois álbuns desde a mais tenra infância. O próprio Pimenta tem elaborado os textos sobre sua produção fonográfica.
Texto de João Pimenta (com adaptação final de Renan Simões, que também elaborou as perguntas norteadoras)
Antes de 1981, eu participava dos Festivais de Música que aconteciam nas cidades do Espírito Santo, como os de Alegre e de Montanha. No início de 1981, ganhei o Festival de Montanha com a música Fatos vivos. Nessa época fui convidado pelo saudoso Clovis Rosa e por Bira, que trabalhavam na Rede Gazeta, para gravar um programa de TV chamado Gazeta Som, onde também foram gravados Maurício de Oliveira, Manolo Cabral, Gilson Martins e outros. Talvez este tenha sido o ponto inicial.
Eu havia disputado o Festival de Música do Colégio Salesiano de Vitória, evento que era produzido pelo Pedro Barcellos, e a premiação incluía o direito de participar de uma gravação de um compacto duplo de vinil, com as quatro músicas premiadas. Tive o apoio musical do Grupo Arte & Manha, que era formado por músicos capixabas. Gravamos no Rio de Janeiro, no Estúdio Retok, que era do Chico Batera – na época, ainda não existiam estúdios em Vitória. Tivemos a participação de um acordeonista chamado Agostinho Silva que, além de tocar, também consertava acordeom. Nessa gravação, ele utilizou uma sanfona branca que pertencia a Luiz Gonzaga, e que estava com ele para reparos; ele a utilizou na gravação como teste.
Não houve distribuição do compacto, consistia apenas em um registro; a grande dificuldade da música independente no Brasil sempre foi a distribuição. Uma vez, tive a oportunidade de ver e ouvir Antonio Adolfo – um dos precursores da música independente no Brasil – reclamar deste assunto em um show do próprio, no Teatro Carlos Gomes em Vitória.
Foi também neste mesmo Festival que fui apresentado ao compositor Pedro Caetano, que fez músicas como Cidade Sol, Guarapari e muitas outras que retratavam as belezas do Espírito Santo. Ele era paulista, mas casado com uma capixaba, e fazia parte do corpo de jurados do festival. Minha música tinha o título de Espírito Santo, e era um baião, o que era muito comum na época; a letra tecia sobre as belezas capixabas, bem ao estilo do Pedro Caetano. Teve um jornalista que achou a letra ufanista – ele era mineiro. De toda forma, essa foi a base pra que no futuro eu pudesse compor, junto com o Carlos Papel, Moqueca, Ilha, Minha Vila e, mais adiante, em 2008, a Torta capixaba, em parceria com minha esposa Luzineth Pimenta, que é Psicopedagoga.
Eu trabalhava desde 1975 na estatal Telest – Telecomunicações do Espirito Santo. A experiência da gravação do compacto do Festival despertou em mim o desejo de fazer uma produção individual. No Rio de Janeiro conheci uma cantora que também não tinha verba para gravar, então ela arrecadou algum dinheiro com amigos para bancar a gravação. Como na Telest havia, na época, mais de 1500 funcionários, aprimorei a ideia dela e mandei imprimir 1000 cartões para vender entre os amigos, incluindo os Telestianos, e este cartão dava direito à entrada grátis do show e a um exemplar do compacto simples com Canção brasileira e Lucy, que compus para minha primeira filha, Luciana, nascida em fevereiro de 1983.
Foram vendidos aproximadamente 900 cartões, o que viabilizou a realização do projeto. Alguns músicos – Babi, Zé Elpídio, Mário III e Jorge Gabriel, que eram do Arte & Manha – foram comigo para o Rio de Janeiro de ônibus para colaborarem na gravação, e o cantor Sérgio Souto, irmão de um psicólogo na Telest, arregimentou o baixista Flavinho Perê e o pianista Fernando Merlino. Quanto ao arranjo, posso afirmar que foi coletivo. Canção brasileira foi uma música que tocou bastante nas emissoras de rádio locais, e também em Governador Valadares (MG), onde fui fazer um show.
Nesta época, a TV Gazeta dava bastante apoio, através do Sr. Bira, que era diretor de programação, e de Clóvis Rosa, com matérias do jornal e televisão. Nas décadas de 1970/1980, vários cantores brasileiros gravaram em inglês e isto me incomodava muito. A letra de Canção brasileira apela para a falta de atenção com a rica música que é feita no Brasil. A distribuição continuava sendo difícil: nas horas de folga do meu trabalho, eu visitava as emissoras de rádio e TV para trabalhar a divulgação.
No final de 1982, junto com o grupo Arte & Manha, eu fiz um show no Teatro Carlos Gomes (Vitória) que batizei de Retrato do tempo, nome de uma canção que viria a gravar no CD Moqueca, com arranjo do pianista João Carlos Coutinho. Este foi um show marcante pra nós, com uma produção bastante trabalhosa, mas que valeu a pena.
Por fim, em 1986, Canção brasileira foi incluída em na coletânea ES-Porta Som, com vários músicos Capixabas, uma realização da gravadora Som Livre em parceria com a TV Gazeta.
Observação 1: Infelizmente ainda não tivemos acesso aos áudios do primeiro compacto. Quando tivermos, adicionaremos à publicação.
Observação 2: Canção brasileira e Lucy, do compacto de 1983, foram relançadas no primeiro LP do artista, Segredo dos cristais; neste relançamento, Lucy foi rebatizada para Canção para Luciana.